As sequelas da colonização


Imaginemos o clima e os olhares de quando os portugueses pisaram pela primeira vez nesta Ilha de Vera Cruz e se defrontaram com os nativos que aqui viviam, onde a desigualdade cultural e diferença intelectual eram visíveis. O ar de superioridade dos portugueses se sentia tanto para com os índios quanto para com os negros que, amontoados e àquelas condições naqueles navios se encontravam.

País que desde seus primórdios, injusto. Onde humanos eram superiores a outros humanos, seres de mesma espécie e capacidade de raciocínio, forçando-os a gerar riquezas, fazendo-os ferramentas para a produção de mercadorias, meras mercadorias em que só a força de trabalho era importante – hoje não parece ser diferente -. Mais-valia, riqueza dos senhores das fazendas e grandes latifúndios em troca de prisão e prato de comida.

País do poder hereditário, onde a riqueza e as posses, terras e valores eram (e são ainda) passados de pai para filho, de nobre para nobrezinho. E o escravo, o que teria ele para deixar de herança para seus filhos? Bom, filho de escravo, escravinho já nascia, não é mesmo?

E depois da escravidão abolida, o que o negro poderia ter então? A liberdade. Mas liberdade não é tudo! Era preciso começar do zero, mas sem Fome Zero, sem verba do governo, sem casa, sem Bolsa Família, analfabeto, sem assistência social e sem dinheiro. Era preciso escolher entre voltar à antiga vida, na quase ou igual escravidão, pois não havia emprego decente para negro, ou optar pela corrupção: matar, roubar, ou outra coisa para conseguir dinheiro.

O senso comum diz que geralmente os negros são pobres, e, de acordo com Florestan Fernandes, a discriminação que afeta as pessoas de cor escura no Brasil é conseqüência da mistura entre preconceito racial e de classe. Cena ainda presenciada, mas, não comum, justa ou conveniente é ver um negro ser discriminado, e às vezes, até por si mesmo.

País do êxodo rural que levou os negros da roça para a cidade, mas a discriminação e o preconceito das pessoas que tinham dinheiro e poder afastaram os menos esclarecidos e com pouca condição financeira, para os subúrbios das cidades, longe das fábricas centrais onde perdiam as suas energias, formando as favelas onde hoje há tanta violência e tráfico de drogas, brigas e assassinatos por conta desse negócio perigoso, que às vezes é fonte de renda para algumas famílias, é certo, não podemos omitir isso.

Desde o final do século XIX, depois de que fora abolida a escravidão – que já foi chamada de “cancro mortal que ameaçava os fundamentos da nação” em uma Assembléia Constituinte de 1823 – e na contemporaneidade não parece ser diferente, os negros ou como chamamos agora: os afro-descendentes, - o que não concordo, pois como seria a nomenclatura dos brancos, por que só mudou uma? – e outros em situação de risco social, muitos sem casa, moradia digna, outros sem emprego, outros ainda passando fome, vivendo na precariedade, às margens da sociedade, excluídos socialmente, buscam maneiras fáceis para ganhar dinheiro na vida. Saem de casa homens, jovens, mulheres e até crianças e quando voltam trazem dinheiro.  Mas como o conseguiram? Drogas, jogos, prostituição, roubos, furtos, mortes, crimes... são tantas as possibilidades de conseguir dinheiro e tantas para perder a vida: traficantes, justiceiros e outras vezes pela polícia. Aumentando assim os níveis de mortalidade, violência, audiência e sensacionalismo nos telejornais. Sensacionalismo que não vê a questão social, que culpa essas pessoas que tentam sobreviver nesse modo de produção capitalista, nesse país de má distribuição de renda, má distribuição de terras, com tanta pauperização e polarização: de um lado ricos muito ricos e pobres morrendo na miséria.

Apesar de nosso país ser uma republica federativa, onde supostamente o povo é soberano, que manda e comanda, onde a democracia é suprema, o Brasil não é uma democracia racial. Tendo em vista as várias expressões da questão social e as diversas diferenças sociais nas raças indicadas nas nos diversos censos e pesquisas realizadas no decorrer dos anos. São gritantes os contrastes de mortalidade, escolarização, violência nas várias regiões desse Estado, repressão, atropelamentos, homicídios, saúde, se comparados os dois lados: negros e brancos. Quanto vale a vida de uma pessoa afro-descendente?

De cunho histórico, a desigualdade e racismo contra os afro-descendentes crescem juntamente com as favelas e riqueza dos burgueses. Num país burguês, onde a ignorância é propositalmente estabelecida para dificultar o processo de aprendizagem e então luta pela melhoria na economia do país; são criadas mentes acríticas, incapazes de descobrir por si só as tramóias estatais que favorecem aos capitalistas e detentores de dinheiro, pois assim, não haverá revolução e quem está mamando continuará a beber desse leite que sai do suor do explorado trabalhador assalariado.

E é chocante a realidade brasileira de hoje, comparada ao velho modelo escravista, teoricamente abolido por uma Lei: capitães do mato viram justiceiros de bairros; a mucama vira a empregada doméstica pobre que depende daquele emprego, submissa à patroa branca e rica; o pobre virá proletário explorado, uma moeda de troca julgado incorreto se por acaso reivindica seus direitos; o Estado abre brecha para o terceiro setor e ONGs aparecem, lavam o dinheiro público explorando a miséria na questão social.

A posse de um bem comum, que não custou o suor ou o trabalho de alguém, um bem da natureza, que existe para viabilizar a vida de todos os seres vivos: animais, vegetais e humanos. No entanto, os negros foram retidos desse bem. Nossas terras foram tomadas como bem privado de Portugal, vieram pessoas tomar as terras que deveriam ser de todos. A propriedade da terra passou a ser de quem detinha capital. Onde é que os negros entram nessa história? Só se for na parte da produção de riquezas para os donos da terra. Condição injusta. Consequências tristes e desiguais. Solução: Reforma agrária. Pois essa reforma dará condições aos desfavorecidos injustamente, onde poderão produzir seu alimento, renda, para que os negros e todos os brasileiros possam ter uma vida sustentável, e digna.